sexta-feira, 11 de novembro de 2022

A natureza e o caos

A sexta-feira iniciou-se propícia para um ótimo passeio de moto. Previsão de sol para a nossa região, com o tempo fechando somente por volta das 18h, o que nos daria muitas horas de pilotagem. Pensamos em dois destinos: Silverânia, logo depois de Mercês, via Santa Bárbara do Tugúrio; Catas Altas da Noruega, numa rota mais longa e que eu planejava já há mais tempo, via Conselheiro Lafaiete e Itaverava. As duas possibilidades eram inteiramente de asfalto, pois é uma época de muitas chuvas e qualquer viagem por estradas não pavimentadas tem de ser bem estudada, preferencialmente com alguma informação prévia das condições dos caminhos. Estamos indo com calma com o aprendizado da minha lindinha e um atoleiro gigantesco com serras vertiginosas não é o que queremos no momento. Vamos buscando algumas experiências mais leves e progressivas. De qualquer forma, colocando o pé na estrada, já estamos sujeitos a todos os imprevistos dos viajantes mesmo.

Saímos por volta das 9h tomando a BR-040 na direção norte. A Rochelli abasteceu a Crosser e logo já estávamos passando por Ressaquinha e Carandaí. Fizemos uma breve parada em Pedra do Sino, um distrito de Carandaí alguns quilômetros para lá da sede do município, apenas para arrumar algumas coisas. Seguimos com o tempo muito bom e o dia muito bonito. Passamos também Cristiano Otoni e seguimos para Lafaiete, onde, atravessando a cidade, pegamos o acesso para Itaverava e Catas Altas da Noruega, nosso destino final para o dia.

A estrada para Itaverava é muito bonita. Simples e com uns trechos sinuosos, com uma serrinha. Passamos a Unipac Lafaiete, onde minha lindinha faz seu curso de Medicina Veterinária e continuamos. Notamos vários restaurantes nesta estrada, alguns aparentemente muito chiques, inclusive. Depois de um longo trecho de descida, resolvemos parar para tomar um café em um lugar bem bonito, chamado Restaurante Pé da Serra, o qual, apesar do grande tamanho e ótima aparência, tinha uns preços bem em conta e uma grande variedade de lanches, entre outras coisas.

Parada feita, abastecidos, seguimos. Poucos quilômetros à frente, já estávamos em Itaverava, uma cidadezinha bem pequena, mas muito bonita e conservada, com alguns prédios históricos e uma linda igreja. Paramos, esticamos as pernas e tiramos algumas fotos. Como já havíamos lanchado, resolvemos seguir viagem para, talvez, fazermos uma parada maior lá em Catas Altas. Depois de Itaverava, a estrada (BR-482) piorou um pouco. Continuou simples, mas com um piso asfáltico mais antigo. Ao menos, os buracos eram poucos e bem visíveis (por serem grandes!). O traçado intercalava infindáveis subidas e descidas e nem parecia que já havíamos descido a serra principal, partindo de Lafaiete. 

Ao chegarmos ao trevo de Catas Altas da Noruega, lugar de nome bem diferente, notamos também um estranho avião em um pedestal, próximo ao pórtico de entrada da cidade. Seguimos e encontramos um pequeno vilarejo ainda menor do que Itaverava. Passamos por uma praça com um coreto e subimos uma rua calçada muito íngreme, que dava em uma linda igreja histórica sem torres. Havia um grande vazamento de água próximo ao portão que fazia com que a rua, muito inclinada, parecesse uma verdadeira torrente. Paramos na rua ao lado, mais plana e melhor para pararmos as motos e fomos ver a construção. Um homem já verificava o vazamento e fazia algumas ligações. Infelizmente, o portão de acesso à construção estava trancado, mas pudemos tirar boas fotos. Foi uma boa ideia termos tomado café na estrada, pois, ali em Catas Altas, não vimos nenhum lugar interessante para comermos. Ficamos um pouco por ali e resolvemos voltar, aproveitando o tempo ainda bom (é uma época de tempo instável, com muitas pancadas de chuvas), para talvez almoçarmos em algum lugar de Lafaiete, se tivéssemos fome.

Apesar de eu ter carregado no GPS algumas rotas alternativas de retorno a Barbacena, passando pela localidade de Lamin e Cipotânea, por exemplo, realmente não achamos prudente nos aventurar por uma estrada de terra completamente desconhecida. Por todos os lados em nossa região, soubemos de chuvas bastante destrutivas, que destruíram plantações, estradas e até mesmo telhados de casas. Fizemos, pois, nosso retorno pela mesma estrada, seguindo de volta em direção a Itaverava, não sem antes darmos uma espiadela nas condições da 482 para além de Catas Altas: aparentemente a estrada continuava do mesmo jeito seguindo para Piranga. Quem sabe um dia não vamos até Viçosa por ali?

O retorno foi tranquilo e ainda estávamos um pouco sem fome quando chegamos em Lafaiete, muito por conta do bom lanche que fizemos na ida. Para evitar trânsito do centro da cidade, resolvemos atravessar a cidade por alguns bairros (rota que a Rochelli domina), pegando logo a 040. Depois da cidade, poderíamos parar no Posto Trevão, para almoçarmos ou fazermos outro lanche, uma parada já tradicional para a gente em nossos passeios e pequenas viagens. Assim fizemos.

Quando chegamos ao Trevão, dava para perceber algumas pancadas de chuva ao norte, nada preocupante, pois estava mesmo previsto. Para os nossos lados, direção sul de onde estávamos, tudo limpo, e geralmente, quando olhamos nos mapas de satélites, os ventos sul trazem as chuvas. Contudo, enquanto fizemos nosso breve lanche (resolvemos não almoçar, pois ainda não estávamos com tanta fome assim), tudo se alterou. As pancadas de chuva do norte foram se aproximando e se tornando verdadeiros pés d'água. Parecia que as pancadas isoladas estavam se somando e, em pouco tempo, estávamos cercados de chuva por todos os lados. Estava claro que aquela massa de nuvens estava rapidamente indo justamente para a direção que precisávamos tomar para retornar. E não dava tentar sair na frente dela: já começava a chover... e muito. Resolvemos esperar passar, pois não estávamos com pressa.

Ficamos um bom tempo ali no Trevão, observando a chuva, as pessoas que, assim como nós, paravam para procurar algum abrigo e mexendo um pouco na internet. Mas, quando parecia que a chuva estava terminando, outra pancada vinha, seguida de muito vento. Ficamos ali conversando e observando alguma brecha que nos permitiria pegar a estrada novamente para andar mais um pouco, nem que tivéssemos de parar novamente em outro local, afinal, era apenas um passeio e tudo era experiência. Pegamos nossas roupas de chuva e ficamos preparados.

Quando a chuva diminuiu, minha lindinha disse: "Vamos!". Mas eu sabia que estava muito escuro na direção de Cristiano e Carandaí, nossa rota de retorno. Perguntei se realmente ela queria, ao que disse que sim. Resolvemos sair então, com cautela, e combinamos que se a chuva apertasse muito, pararíamos, afinal, existem muitas cidades no trajeto, com pouca distância entre si. A chuva ainda estava relativamente forte no início, mas, após passarmos a praça de pedágio, foi diminuindo sua intensidade. Viajamos tranquilamente, apesar de molharmos um bocado. Minha roupa de viagem não é totalmente impermeável e eu coloquei somente a jaqueta da minha roupa de chuva e minhas botas também não são totalmente impermeáveis (aguentam bem, mas não chuva forte como aquela, em plena rodovia). A roupa de chuva da Rochelli demonstrou ser bem ruim, passando água em algumas costuras e ela não estava com botas, resultado, pés encharcados. Apesar dos percalços continuávamos animados e rindo da situação, kkkk. Passamos Cristiano, Pedra do Sino e Carandaí. A partir daí a chuva voltou a apertar, e muito. Conseguimos chegar a Ressaquinha e a Ténéré entrou na reserva de combustível. Pelas minhas contas, daria para chegar tranquilamente a Barbacena. Como a chuva ficou muito severa, conversamos e decidimos que pararíamos em Alfredo Vasconcelos, última cidade antes de Barbacena, para esperar melhorar um pouco.

Alguns eventos a partir daí se desenrolaram rapidamente. A chuva foi ficando torrencial e o trânsito, mais lento. Começou a chover granizo, com pedras pequenas. Estávamos a poucas curvas do trevo de Vasconcelos e pensei que daria para chegar. Mas a chuva aumentou e simplesmente encontramos um trânsito parado. A Rochelli quis parar pois estava sentido algumas pedras baterem mais fortes nas pernas e nas mãos (apesar das fotos ficarem meio caóticas, deu para ver as linhas das pedras vindo do céu e as mesmas depositadas em nossas roupas). Como todo mundo estava parando na estrada, paramos também, mas não havia abrigo algum. Na nossa frente havia um grande ônibus (acho que de turismo) e a chuva toda estava vindo, com suas pedras e com um vento intenso, de uma só direção. Falei para nos abrigarmos ao lado do ônibus, o que funcionou bem. Pensamos inicialmente que tudo estava parado por conta da chuva, mas, não. A chuva diminuiu um pouco, as pedras pararam de cair, mas nada andava. Pensei: acidente. Pegamos as motos e passamos pelos carros para ver como estava mais à frente e encontramos um cenário de total destruição! Num ponto da estrada com uma grande plantação de eucaliptos muito altos, várias árvores caíram, bloqueando totalmente a estrada e pior, caíram sobre carros e caminhões. Muita gente já estava indo a pé na direção do bloqueio e, do nosso lado, havia apenas caminhões atingidos em suas cargas, com as cabines dos motoristas ficando íntegras. Do lado de lá, podíamos ver, ao longe, carros atingidos e ficamos preocupados. Falei com a Rochelli para retornarmos a Correia de Almeida. Poderíamos ficar abrigados e eu conseguiria, de qualquer forma, abastecer minha moto. Viramos nossas motos e fomos no sentido da cidade pela qual havíamos passado momentos antes.

Após percorrer uma pequena distância, avistamos o posto do Paradão 040, uma lanchonete. Paramos por ali. Para meu azar, o sistema de cartão de créditos não estava funcionando (provavelmente consequência da chuvada), mas como eu sempre tenho algum dinheiro comigo em viagens, pedi para que colocassem uns R$40 reais de álcool. Ponto positivo de moto: completei o tanque com R$35,00, kkkk. Paramos na lanchonete e esperamos novamente.

Alguns motoristas estavam se arriscando a pegar a velha linha férrea para chegar a Vasconcelos, mas considerando a chuva que pegamos, a ainda pequena experiência da minha lindinha em estradas de chão e o mal estado que geralmente tem aquela linha, decidimos que o melhor era esperar a desobstrução da 040. Após algum tempo parados ali, com a chuva diminuindo, resolvemos voltar ao ponto do bloqueio para acompanhar os trabalhos. Vimos muita gente ajudando, caminhoneiros, funcionários da concessionária da rodovia e muitos locais, em mutirão, tentando tirar os grandes troncos. Muitos não queriam esperar a operação dos maquinários que chegavam e iam fazendo movimentos arriscados com troncos e caminhões com carrocerias amassadas. Mas, apesar dos riscos, tudo foi dando certo e ficamos, na verdade, pouco tempo ali. Talvez uns 20 min.

Com a desobstrução, todas as motos saíram logo na frente, junto com os veículos que ficaram mais próximo ao bloqueio. Quando passamos, vimos a imensa extensão do engarrafamento que se formou. Nossa meta, a esta hora era apenas chegar em casa, tirar as roupas molhadas e tomar um bom banho quente, kkkk.

Apesar da grande e inesperada virada de nosso passeio, chegamos bem e felizes. Curtimos toda a viagem, conhecemos lugares novos, lanchamos, conversamos o tempo todo através dos comunicadores. Ao encontrarmos adversidades, continuamos calmos e aproveitamos a experiência, que certamente foi ótima como teste de fogo (ou de água, kkk), para a Rochelli, que mandou muito bem. Ficamos tristes pelos prejuízos, pelas pessoas que se assustaram ou mesmo que perderam compromissos. Mas estrada é assim, como os percalços da vida. O importante é manter a calma e o bom humor, mesmo nos momentos adversos, o que nem sempre conseguimos.

De certa forma, o passeio de hoje foi incrível sob inúmeros aspectos. Uma sexta-feira com muita história para contar!