segunda-feira, 4 de março de 2019

Batismo de camping

Nunca havia tido a experiência de acampar. Sempre ouvia, desde de pequeno, histórias legais de acampamentos de grupos de amigos ou mesmo de meus primos e tio, que eram escoteiros. Crescido e começando a viajar, isso meio que sumiu da minha mente, simplesmente pelo fato das programações de viagem seguirem o mesmo roteiro: compra de passagens, reservas de hotel, agências de viagem, etc.

Com muitas mudanças na minha vida e o fato de ter conhecido a Rochelli, minha lindinha, as viagens de moto ficaram cada vez mais constantes e tomando por destino lugares cada vez mais inusitados. Basta explorar um pouco o blog para ver o quanto já rodamos, o quanto já conhecemos de nossa região e isso tudo é ótimo. Viajamos sempre, sempre com baixíssimo custo, o que nos ajuda bastante, com a vida apertada de estudo, trabalho e estágios que levamos atualmente. Nos últimos meses, acabamos percebendo a similaridade da filosofia de nossas viagens com o ideal camper. Passou a ser bem sedutora a ideia de acampar (experimentando, claro), aproveitando o preço baixo de hospedagens dos campings que possibilitaria viajarmos mais para dormir nos locais (e não apenas fazendo os comuns bate-voltas), além de podermos ter maior imersão nos lugares que visitamos.

Começamos a nos interessar bastante pelo tema e pela ideia de comprar uma barraca. Poderíamos comprar um equipamento inicial simples (barraca, colchão) e fazermos um teste bem light. Algo como acampar em Tiradentes, somente por uma noite. Lugar próximo, acessível, conhecido. Se algo desse errado, em qualquer aspecto, era só juntar tudo, colocar na moto e tomar, rapidamente, o caminho de volta para Barbacena.

Bem, não foi nada dessa forma. Feriadão do carnaval chegando, eu estava encerrando as atividades no meu estágio e a Rochelli não tinha nenhum casamento marcado para fotografar: tudo convidava a uma boa viagem de moto. Entrei em contato com meu tio Célio, falando que poderíamos ir a alguma cachoeira em Ritápolis ou em Santana do Garambéu. Papeando na internet, surge a ideia de Carrancas, claro, o paraíso das cachoeiras. Destino um pouco mais distante, com muitas coisas para fazer, eis que aparece a oportunidade: acampar. Corremos, claro, para aproveitar a oportunidade e a animação do meu tio, que já tem experiência em acampar. Melhor ter alguém experiente para ajudar a montar as barracas e tudo mais. Busquei os campings disponíveis para o período e acabamos reservando um chamado Aconchego da Serra Camping, não muito distante do centro da cidade. Possuía boas recomendações dos usuários e também não ficava muito distante da cachoeira do Salomão, que já conhecíamos. O tio Célio arrumaria as barracas e colchões. Tanto ele quanto meu primo Luciano possuem equipamento de camping. Nós só tínhamos de nos preocupar com o básico para uma viagem dessas: toalhas, lençóis, extensões, etc. Ah, comprei uma lanterna com bateria recarregável, para não ficarmos no escuro dentro da barraca à noite. Não reservavam apenas para uma noite, então, combinamos de ficarmos de domingo até a terça-feira. Reserva feita, tudo certo. Só aguardar o dia de partir.

Uma grande preocupação era o tempo. Sabíamos que a época é sujeita a alterações bruscas, com chuvas muito doidas. Em Barbacena e Juiz de Fora, cidade do meu tio, foram muitas as pancadas que, inclusive, causaram estragos diversos. Fomos monitorando as previsões do tempo e torcendo. Na sexta-feira e sábado anteriores à partida, a previsão em Carrancas era de pancadas isoladas de chuva no domingo (dia em que iríamos chegar), céu nublado na segunda e dia com sol na terça, com possíveis pancadas na parte da tarde. Chegando domingo na hora do almoço e saindo na terça pela manhã, evitaríamos problemas. Combinamos ainda que se tivéssemos algum problema ou se o tempo não fosse favorável, voltaríamos antes do combinado mesmo. Sem problemas.

Domingo cedo acordamos e seguimos para o posto de combustíveis onde encontramos o tio Célio. Seguimos viagem. É muito bom viajar com companhia de mais uma moto na estrada. A estrada para São João del-Rei estava completamente vazia. Efeitos do carnaval, em que difícil seria acreditar que muitas pessoas acordariam às 6h da manhã de domingo. Kkkk. Viagem tranquila por uma estrada que o tio Célio não conhecia. Barroso, São João del-Rei, São Sebastião da Vitória e Itutinga, onde abandonamos a BR-265 e pegamos a estrada para Carrancas. Apesar de já termos passado por ali, fiquei novamente impressionado com o grande paredão de pedra que é preciso atravessar para chegar à cidade. A serra de Carrancas é realmente incrível.

Chegando no camping, conhecemos o proprietário, bem simpático, que nos ofereceu para deixarmos as motos em uma rampa concretada da entrada. Isso aconteceu após termos dado um "passeio" pelo estacionamento do lugar, repleto de lama. A Ténéré se comportou bravamente, apesar dos pneus mistos meia-vida. Já a Transalp do tio Célio, com toda sua potência transmitida para um pneu com perfil de asfalto, só patinava. Foi difícil sair do estacionamento. O dono do camping disse que normalmente não era assim, mas que tudo estava encharcado porque chovera muito durante toda a noite anterior. Era o que estava nas previsões do tempo que havíamos acompanhado mesmo.

Montamos as barracas. Eu e a Rochelli ficamos com uma barraca de duas pessoas que o tio Célio havia pegado emprestado. Ele ficaria numa barraca para uma pessoa, emprestada pelo meu primo Luciano. A montagem foi tranquila, a não ser pela parte da entrada de nossa barraca, que era bem diferente das demais. O próprio dono do camping nos ajudou a desvendar como era a montagem dessa parte. O local que escolhemos não era lá muito bom. Ficava na parte mais baixa do camping e tinha sinais de que a grama tinha ficado encharcada pela chuvarada que caiu à noite.

Tudo certo, deixamos as coisas e as motos e fomos ao centro da cidade almoçar. Eu e a minha lindinha tivemos então a oportunidade de voltar ao restaurante Recanto, ótima parada, como sempre. Tio Célio também gostou. Passeamos pelo centro, com sua bela praça e igreja matriz e compramos água e biscoitos num supermercado.

Retornando ao camping, nos organizamos para ir às cachoeiras. Resolvemos ir às mais próximas, principalmente a do Salomão. Pegamos as motos só com o essencial e partimos. Paramos, como da outra vez, próximo a outro camping, o Camping da Ponte. Com o olhar leigo que temos, esse camping nos passou a ideia de ser bem melhor do que aquele em que estávamos hospedados. Tinha até uma cantina e era num terreno mais plano e mais espaçoso. Talvez um lugar para uma próxima ida a Carrancas. Pagamos a taxa de R$5,00 da entrada e seguimos pela trilha. O tempo estava nublado, mas muito quente, com um mormaço. Chegamos à cachoeira do Salomão. Havia algumas pessoas, mas estava bem tranquilo. O Tio Célio gostou bastante da água límpida. Estávamos tão contentes que entramos rapidamente na água, kkkk. Eu fui o primeiro a entrar completamente. Dei uma bobeada e acabei deixando cair meus óculos escuros (de grau). Tentei afundar e pegá-los mas não estávamos conseguindo achar, apesar da água completamente transparente. Minha lindinha conseguiu vê-los de relance próximos a uma pedra e conseguiu pegar com o pé. Foi uma sorte. Só foi possível recuperá-los porque estávamos em Carrancas. Se fosse Ibitipoca, com as águas escuras, jamais teria conseguido. Bem, tudo certo. Tiramos muitas fotos e conversamos bastante no ponto ótimo em que ficamos, na parte superior da queda d'água. Contudo, o tempo foi fechando e a Rochelli avisou: vai chover. Ainda ficamos entretidos por um tempo até percebermos uma grande tempestade se formando na serra, ao norte. Hora de ir embora, e rápido. Voltamos rapidamente pela trilha até alcançarmos as motos no camping (que não era o nosso), mas não tivemos tempo de sair. A chuva nos pegou. A saída foi correr para a cantina próxima de onde estávamos e pedir abrigo. Desceu um belo pé d'água e, despreocupados, tomamos café e comemos salgados.

Aí começaram nossos problemas, kkk. A chuva não parou. Apenas diminuiu sua intensidade, transformando-se numa chuvinha fina, porém duradoura. Fomos percebendo que poderíamos ficar ali por muito, muito tempo. Com a chuva caindo corremos até as motos e pilotamos até nosso camping. Molhamos bastante, mas estávamos com roupas leves para a visita às cachoeiras. Chegando em nossa barraca, constatamos que ela estava vazando! De qualquer forma, entramos, pois a chuva não cedia, e tratamos de avaliar as coisas. Havia algum problema na parte mais alta, de ventilação, pois havia goteiras. Também duas das paredes laterais estavam úmidas, meio que suadas. Separamos as coisas que haviam se molhado, por sorte, algumas roupas que estavam ao lado do colchão. Sendo o colchão inflável, também demos sorte, pois qualquer umidade iria para baixo dele, nos deixando secos, em cima. Nossa barraca corria o risco de virar uma piscina com colchão, kkkkk. Falamos com o tio Célio (sua barraca estava praticamente ao lado e, como viemos a saber depois, estava intacta). Mesmo doente e sob nossos protestos, ele saiu e nos ajudou, esticando melhor a lona externa da barraca, aumentando o afastamento da interna. Arrumou ainda uma sacola, dessas de supermercado, que aberta foi colocada no topo da estrutura. Essas ações melhoraram bastante nossa situação. Restou basicamente uma goteira intermitente no topo, que resolvemos colocando uma blusa da Rochelli (que já estava molhada) pendurada com algumas de suas piranhas para cabelo. Ajudou bastante e nos viramos até que bem diante daquela situação inusitada. Acreditamos que a barraca em que estávamos simplesmente poderia ser antiga, e estar com a lona meio gasta pelo uso. Apenas uma hipótese, é claro.

No interior da barraca, descansamos. A chuva não cedia. Ainda queríamos sair à noite, voltando ao Recanto para comer uma pizza e ouvir um pouco de música, mas cada vez mais percebíamos que não iria rolar. Saímos da barraca rapidamente apenas para ir ao banheiro ou às instalações comuns do camping. Conversamos bastante, eu e a Rochelli, trocando algumas palavras com o tio Célio em sua barraca também. Ouvimos muitas pessoas ao redor dizendo que haviam tido problemas com a chuva. Pelo jeito, outros marinheiros de primeira viagem. Nos preparamos para a noite. O espaço apertado não era tanto o problema, mas sim o fato de haver partes da barraca que foram molhadas. Apesar disso, conseguimos dormir.

No dia seguinte, ao acordar, avaliamos novamente nossa situação. Tínhamos três opções: ir embora, já que o tempo não estava nada favorável (as previsões estavam incertas na internet); sair do camping e buscar uma pousada em conta para passarmos mais uma noite; ficar no camping mesmo e pagar para ver. Levantamos e nos dirigimos à cozinha para carregarmos nossos celulares. Para nosso espanto, vimos o tio Célio chegar no camping. Ele acorda cedo e já tinha ido à cidade tomar café. conversando, percebemos que seria melhor adotarmos a primeira opção mesmo, ou seja, retornar um dia antes. As principais atrações de Carrancas, suas cachoeiras, dependem realmente de um tempo bom. De nada adiantaria ficar em uma pousada para passar mais um dia dentro de um quarto. Ficar no camping também poderia ser temerário, pois se pegássemos mais chuva (principalmente algum pé d'água), ficaríamos enrolados. Ali, naquela manhã, a chuva havia parado, apesar do tempo nublado, e poderíamos arrumar novamente as coisas nas motos com relativa tranquilidade. Enquanto fomos ao centro da cidade para um ótimo café da manhã, o tio Célio ficou agilizando a desmontagem das barracas, começando pela dele. Quando retornamos, guardamos todas as coisas nos baús e as barracas numa bolsa. O dono do camping, percebendo que estávamos indo embora um dia antes, veio gentilmente nos dizer que ficaríamos com uma noite de crédito para quando voltássemos. Ele estava auxiliando várias pessoas a saírem com seus carros, pois o barro do estacionamento havia piorado bastante.

Saindo do camping, abastecemos as motos e pegamos a estrada, cruzando mais uma vez a incrível serra de Carrancas. O tempo realmente estava bem mais feio do que no dia anterior, quando havíamos chegado. Seguimos para São João del-Rei, onde demos uma breve parada para saborear o Legítimo Rocambole de Lagoa Dourada (sim, eles tem uma filial às margens da BR-265, em São João, kkk). Tio Célio comprou um rocambole inteiro para levar a Juiz de Fora. Combinamos que ao chegar em Barbacena, ele seguiria direto para sua cidade.

Retornamos pela conhecida estrada de São João sem problemas, com tráfego mais intenso do que na ida, porém bem tranquilo. Foi muito bom chegar em casa, descarregar as coisas e tomar um bom banho, depois dessa verdadeira aventura.

Sobre acampar, apesar de todos os problemas que encontramos, foi bem legal. Percebemos que algumas escolhas (cidade, camping, época do ano, equipamento) são cruciais no planejamento de uma viagem como essas. Como verificamos, pegamos o melhor e o pior de acampar. Foi um batismo e tanto! Kkkkk. Muitos pensariam em nunca mais fazer nada semelhante, depois de tantos perrengues. Mas realmente, estamos cada vez mais aventureiros. Vivemos uma experiência única. Imagina chegar ao final da vida e nunca ter vivido a experiência de acampar? Ao contrário do que se podia esperar, parece que estamos mais decididos a acampar de novo, da próxima vez, com nossa própria barraca e equipamentos, na época da seca. Já estamos até programando, heheh. Conclusão: muita história para contar e um post enorme desses em uma viagem tão curta! Mais uma coisa: não é para os fracos!